CONVIVENDO COM O SEMIÁRIDO
- By CRA-CE
- Adm. Clésio Jean
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Nos primórdios da nação brasileira, quando não se tinha cunhado ainda o termo nordeste, para denominar a região onde está incluso uma das maiores áreas semiáridas do mundo, o que existia era a região norte, que contrapunha-se à região sul, divisão oriunda do tempo do império, logo após o descobrimento. Na região norte, fruto da divisão imperial, a economia era suportada pela exploração agrícola de sequeiro, com o ciclo da cana-de-açúcar na zona da mata, próxima ao litoral, alguma outra pequena produção de gêneros de primeira necessidade e a mandioca para alimentação, principalmente da força de trabalho escrava, e nos sertões surgia a criação de gado.
Nas chamadas invernadas tinha-se uma produção abundante, a fartura se fazia presente. Entretanto, de tempos em tempos se abatia sobre a região habitada uma estiagem prolongada, que mais tarde se caracterizaria como o conceito de seca que temos atualmente, causando um grande transtorno à gente que vivia na região e que houvera prosperado no período da abundância e agora se encontrava sem condições de sequer sobreviver na região que se tornara inóspita pela adversidade climática ainda desconhecida.
Albuquerque Jr. chega a afirmar que:
“o Nordeste é, em grande medida, filho das secas; produto imagéticodiscursivo de toda uma série de imagens e textos, produzidos a respeito deste fenômeno, desde que a grande seca de 1877 veio colocá-la como problema mais importante desta área. (ALBUQUERQUE JR., 2001, p. 68)”
Em 1937, Gilberto Freyre inicia seu livro Nordeste com uma explicação que deixa ver que, a essa altura, o vínculo entre o Nordeste e as secas estava fortemente estabelecido:
“A palavra “Nordeste” é hoje uma palavra desfigurada pela expressão “obras do Nordeste” que quer dizer: “obras contra as secas”. E quase não sugere senão as secas. Os sertões de areia seca rangendo debaixo dos pés. Os sertões de paisagens duras doendo nos olhos. Os mandacarus. Os bois e os cavalos angulosos. As sombras leves como umas almas do outro mundo com medo do sol. Mas esse Nordeste de figuras de homens e de bichos se alongando quase em figuras de El Greco é apenas um lado do Nordeste. O outro Nordeste. Mais velho que ele é o Nordeste de árvores gordas, de sombras profundas, de bois pachorrentos, de gente vagarosa e às vezes arredondada quase em sanchos-panças pelo mel de engenho, pelo peixe cozido com pirão, pelo trabalho parado e sempre o mesmo, pela opilação, pela aguardente, pela garapa de cana, pelo feijão de coco, pelos vermes, pela erisipela, pelo ócio, pelas doenças que fazem a pessoa inchar, pelo próprio mal de comer terra.” (FREYRE, 1967, p. 5)
Credita-se ao padre Fernão Cardin o primeiro relato de seca e teria ocorrido de 1583 a 1585, nos sertões da Bahia e de Pernambuco. Ocorreram secas nos idos de 1615, 1652, 1692/1693, 1709/1711, 1720/1721, sendo a última alarmante e atingiu as províncias do Ceará e Rio Grande do Norte.
Registraram-se, ainda, ocorrência de secas nos anos de 1723/1727, 1736/1737, 1744/1745, 1748/1751, 1776/1778, sendo esta última uma das mais graves, pois coincidiu com um surto de varíola, provocando alto índice de mortalidade, onde quase todo o gado ficou perdido na caatinga. Nos períodos de 1782, 1790/1793, dado o grande número de pedintes foi criada a Pia Sociedade Agrícola, primeira organização de caráter administrativo, cujo objetivo era dar assistência aos flagelados, há quem identifique na Pia Sociedade o embrião do DNOCS.
Ocorreu seca parcial, atingindo Pernambuco, entre 1808 e 1809, na região do São Francisco, onde se registrou a morte de 500 pessoas por falta de comida. Novamente, aliada à varíola, ocorreu seca nos anos de 1824 e 1825, gerando muitas mortes na região nordestina. A Regência Trina autorizou a abertura de fontes artesianas profundas em 1831 visando resolver o problema da falta de água. Entre 1844 a 1846 uma grave seca atingiu os nordestinos, provocando a morte do gado e espalhando a fome.
Entre 1877 e 1879 uma das mais graves secas promoveu a migração de 120 mil cearenses para a Amazônia, 15% da população que era de 800 mil habitantes, e 68 mil pessoas foram para outros Estados. Ocorreram ainda secas em 1888/1889, 1898/1904, onde foi destinada uma parcela de recurso na Lei de Orçamento da República para obras contra as secas e foram criadas três comissões para analisar o problema das secas nordestinas.
Com a seca dos anos de 1908 e 1909 foi criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas – IOCS. Na seca de 1910 foram instaladas 124 estações pluviométricas no semiárido nordestino, onde foram registradas as secas de 1914 e 1915.
Em consequência dos efeitos das secas de 1919 a 1921, de grandes proporções, sobretudo no sertão pernambucano, cresceu o êxodo rural no Nordeste. Após um período de chuvas regulares ocorreu a grande seca de 1932 e em 1945 uma nova seca se abateu sobre a região provocando a transformação da IFOCS, antes IOCS, no atual DNOCS. De 1951 a 1953 tem-se novo registro de seca de grandes proporções, O DNOCS propôs um trabalho de educação entre os agricultores objetivando a criação de núcleos de irrigação.
Em 1966 registra-se mais um ano de seca e em 1970, com uma grande seca que atinge todo o Nordeste, foram criadas as frentes de emergência, mantida pelo Governo Federal, e que atendeu a aproximadamente 1,8 milhão de pessoas.
A mais prolongada seca da história do Nordeste ocorreu nos anos de 1979 a 1984, atingindo toda a região e deixando um rastro de miséria e fome em todos os Estados, em aproximadamente 1,5 milhão de km² não se colheu lavoura alguma. No Ceará foi registrada mais de uma centena de saques perpetrada por legiões de trabalhadores famintos que invadiram cidades usando a força para obterem alimentos em feiras livres e armazéns.
Em 1993 outra grande seca atinge todos os Estados do Nordeste e parte do norte de Minas Gerais, houve novo alistamento em frentes de emergência que atendeu, segundo dados da SUDENE, 1.857.655 trabalhadores rurais.
No final do mês de abril de 1998 uma nova onda de saques ocorreu, em virtude dos efeitos da seca, onde a população faminta buscava feiras livres e armazéns para pegar alimentos à força. Muitos animais morreram e lavouras foram perdidas. Todos os Estados do Nordeste, à exceção do Maranhão, foram atingidos causando prejuízo em cerca de cinco milhões de pessoas. Esta seca de 1998 praticamente se prolongou até 2001, ocasionando inclusive uma crise no setor de energia elétrica pela escassez de chuvas. Vivia-se dias sem água e sem luz.
Em pleno período de ocorrência de seca “braba”, no fim do ano de 1998, mais precisamente no dia primeiro do ano de 1999, o Governo Federal extinguiu o DNOCS numa demonstração de irresponsabilidade e falta de compromisso com o povo nordestino.
Em 2012 o Nordeste vivenciou a pior seca dos últimos 30 anos, a pecuária e agricultura familiar são dizimadas quase que na totalidade. Esta seca se estende no ano de 2013, onde é tida como a pior dos últimos 50 anos, se prolongando em algumas regiões nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017. Em muitas cidades o sistema de abastecimento colapsou, dependendo de carros-pipa e construção, às pressas, de adutoras de engate rápido, nem sempre a melhor solução, pois as adutoras são por muitas vezes danificadas pela população ao longo dos trechos por onde são montadas, em busca de água a qualquer custo.
Exercer a administração em seu largo espectro, planejando, organizando, coordenando e controlando a utilização de todos os recursos disponíveis para promoção do desenvolvimento econômico e social da região é mister, e vem sendo negligenciado em nome de uma gestão de recursos hídricos, que em muitos momentos inexiste e só está presente, em certa medida, por que houve uma instituição que nasceu como pia sociedade agrícola, renasceu como IOCS, transformada em IFOCS, depois DNOCS e que hoje está semiabandonada, mas quando foi acionada, construiu grande parte da infraestrutura hídrica que permitiu a convivência com um nordeste semiárido.
Esta sub-região semiárida pode vir a ser transformada num celeiro para o mundo, pois as grandes estiagens, se bem trabalhadas, podem resultar em alta produtividade, com a utilização da irrigação, de frutas com alto teor de açucares, produção de piscicultura e até de gado leiteiro, pois é menor o adoecimento dos animais, pela presença constante do sol, cauterizador de grande parte das mazelas decorrentes do excesso de umidade, faltando apenas água, que pode ser provida com interligação de bacias, armazenamento em grandes e médias barragens, ocupando os vazios hídricos e promovendo-se a distribuição através de adutoras adrede planejadas.
Em que pese todo o aprendizado propiciado pelas ações do Órgão de combate às secas, não foi o suficiente para evitar seu esvaziamento e aviltamento, como se pode depreender dos parágrafos seguintes:
O DNOCS conta atualmente com 779 servidores, dos quais 623 reúnem condições para pedir aposentadoria. É o órgão responsável por 328 barragens de médio e grande porte, que reúnem, no conjunto, capacidade de acumulação de mais de vinte e sete bilhões de m3..
Atualmente está com grandes obras em execução:
• 2ª Fase da 2ª Etapa do Sistema Adutor do Pajeú: empreendimento voltado para o abastecimento humano, englobando a construção de sistema adutor, composto por captações no Eixo Leste do PISF – programa de integração do Rio São Francisco, estações de bombeamento, reservatórios e tubulações, atingindo 255,7 km de adução entre os Estados de Pernambuco e Paraíba. Essa etapa de serviços permitirá o atendimento a 9 cidades do Estado de Pernambuco e 11 cidades do Estado da Paraíba, atendendo uma população de cerca de 200.000 habitantes e consumindo recursos da ordem de R$ 200 milhões.
• Implantação da 2 Etapa do Projeto de Irrigação Tabuleiros Litorâneos de Parnaíba: Os serviços a serem executados permitirão a implantação de mais 6.400 Ha, permitindo a licitação de áreas para empresários e abertura de lotes para agrônomos, técnicos agrícolas e pequenos produtores. Serão aplicados recursos da ordem de R$ 72 milhões.
• Recuperação da Barragem Jucazinho – PE: Os serviços executados permitiram o disciplinamento dos vertedouros laterais, execução da bacia de dissipação, recuperação dos equipamentos hidromecânicos e Implantação do plano de segurança de barragens e plano de ação emergencial. Serão aplicados recursos da ordem de R$ 32 milhões
• Recuperação e modernização da Barragem Eng. Avidos – PB: As obras a serem executadas nesta barragem atendem a demanda do PISF, visando permitir a descarga de 50 m3/s. Os serviços compreendem a recuperação do vertedouro, implantação da nova tomada d’água, onde serão implantados 2 tubos com diâmetro de 2.500,00 mm, 2 válvulas dispersoras com diâmetro de 2.000,00 mm e todo sistema de automação. Serão aplicados recursos da ordem de R$ 23 milhões.
• Recuperação da Barragem Passagem de Traíras – RN: Os serviços em execução visam conferir estabilidade estrutural a aludida barragem. Serão executados serviços no paramento vertente, fechamento da ombreira direita, paramento de montante e todo trecho insubmersível. Serão consumidos recursos da ordem de R$ 15 milhões;
• Recuperação e Modernização da Barragem do Açude Banabuiú: Processo licitatório concluído e aguardando assinatura do contrato para emissão da OS;
• Conclusão das obras da Barragem Fronteiras: Processo licitatório em andamento.
currículo conselheiro Clésio Jean
Conselheiro Adm. Clésio Jean de Almeida Saraiva
2019/2022